quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Cuidado, intuição de aranha alerta: Perigo, perigo!





Olá mais uma vez! 

Estou de volta com outra curiosidade sobre séries, suas traduções e as legendas talvez duvidosas ou equivocadas. No episódio de hoje, abordaremos uma questão que vem me atormentando: é correto considerar apenas a “massa” e entregar um texto traduzido de forma genérica? Ou deveríamos esperar que o telespectador, caso não entenda uma referência, vá procurar informações sobre o assunto? (o filme Cloud Atlas, que ficou o um título pra lá de genérico aqui no Brasil – “A Viagem” – é um exemplo disso. Ideias para um próximo post ;D ?). Tirar referências culturais ou pop presentes no original não seria o mesmo que chamar os telespectadores de “burros”? Ou seria pura e simples falta de informação e / ou interesse da parte do tradutor da legenda? (no entanto, sei que, de modo geral, infelizmente o tradutor de legendas não tem outra escolha se não seguir as normas do empregador por mais que elas causem certo... conflito com o diálogo original. Paciência...)

Em um episódio de Buffy chamado I, Robot... You, Jane (S1, Ep8), a nossa destemida Caçadora está conversando sobre mais um possível perigo; ela e seus companheiros não tem certeza ainda do que possa ser, mas Buffy sabe que ALGO está para acontecer... ela pode sentir isso. Então, segue-se a conversa: 

Buffy: Besides, I can just tell something's wrong. My spider-sense is tingling. 
Giles: Your... spider sense? 
Buffy: Pop culture reference. Sorry.

Na legenda do episódio que assisti, o diálogo acima resultou no seguinte: 

Buffy: Algo está errado. Minha intuição. 
Giles: Sua intuição? 
Buffy: Coisa de mulher.

O.O?!   

Eis que temos um diálogo divertido e interessante transformado em algo completamente genérico e amorfo.

Na verdade a ideia é mais ou menos a seguinte: Buffy está dizendo que sente que tem algo errado acontecendo porque seu “sentido de aranha está apitando” (zunindo, disparando, formigando, tilintando...). Guiles – rato de biblioteca como ninguém, mas sem muita noção de mundo e de qualquer outra coisa que não esteja relacionada com seus amados livros – fica perdido e pergunta “O seu... sentido de aranha?”, ao que Buffy simplesmente diz se tratar de uma referência da cultura pop. Foi mal, Giles! OK, pode ser que alguém assistindo Buffy não conheça o Homem Aranha e, mesmo mantendo o diálogo de acordo com o original, tal pessoa perderia a piada. Mas sejamos realistas: a probabilidade de um fã de Buffy conhecer histórias em quadrinhos ao menos o suficiente para entender a passagem, é muito grande! Eu comprei só uma meia dúzia de revistas o HA durante toda a minha vida e entendi do que ela estava falando só de ouvir o original em inglês! E mesmo se não conhecer a referência, qual o problema? Vai se informar! 

Importante lembrar que não, eu não estou aqui para julgar o trabalho de ninguém, já que, para começar, eu nem disse onde assisti esse episódio com a tal legenda e depois, porque esse nunca foi meu propósito. 

Este é apenas UM exemplo dos diversos que com certeza existem (e eu tenho até alguns tantos em mente). É só prestar bastante atenção ao assistir um filme para perceber as diferenças - às vezes mínimas e outras, como aqui com a Buffy, nem um pouco - entre o que os atores estão falando e o que está escrito nas legendas. Esse é mais um motivo para eu gostar de assistir filme/séries apenas no original, assim posso reparar nas escolhas feitas e nas saídas encontradas, coisa impossível quando os personagens já estão falando na nossa língua nativa. 

OK, este era para ser um post curto, então... That's all folks!


sábado, 12 de janeiro de 2013

Mercador Traidor



Eu não tinha muita certeza do que postar, assim, para começar, então resolvi usar algo que estava na minha cabeça desde que assisti a um episódio da série The Mentalist (S3, Ep16: “Red Queen”). Só para entender o que acontece na cena, um homem foi encontrado morto em um museu. Assassinado. A vítima é Manuel Montero e ele trabalhava no museu. Na cena, o detetive Wayne Rigsby está entrevistando um professor de Antropologia e colega de Montero, Christo Papadakis, que pelo sobrenome é descendente de gregos. O interessante aqui (e o que torna a passagem cômica – ou trágica) é o “ruído” na conversa entre os personagens. Aqui está a transposição das partes que interessam. (E mais abaixo tem o vídeo com a cena.)


Papadakis: Montero was on the run.

Rigsby: On the run from who?

P: Nobody. He traveled. He was always running to the South America. His career was in ruins.

R: Well, tough times for everybody.

P: Not for Montero. He had lots of money.

R: You just said he was in ruins.

P: Yes, the Toltec. Mayan.

R: Oh, Montero was an archaeologist!

(...)


Aqui, ao dizer que Montero estava “on the run”, Papadakis quis dizer que ele vivia correndo, indo para a América do Sul. A confusão acontece porque essa expressão pode significar que uma pessoa está muito ocupada, correndo de um lugar para outro, mas também, por outro lado, quer dizer que alguém está fugindo. E mais: Papadakis deixou o on the run sem contexto, então naturalmente o significado acaba sendo o de fugir. Papadakis poderia ter dito algo como “Montero was always on the run from Sacramento to South America.”, para não haver espaço para dúvidas. Em português a confusão não é a mesma, uma vez que quando dizemos que fulano “estava correndo” não dá a entender, necessariamente, que tal pessoa estava correndo de alguém ou de algo; para isso diríamos fugindo mesmo.

Quanto ao “his career was in ruins”, com  a tradução "a cerreira dele estava em ruínas" dá para manter a confusão e o duplo sentido esperados. Obviamente, da maneira que a fala foi dita, sem maiores explicações, o ouvinte vai pensar (como o pobre Rigsby) que a carreira de Montero estava acabada, que ele estava no fundo do poço, sendo que, na realidade, o que Papadakis quis dizer foi que o local de trabalho de Montero eram as ruínas. Que ele trabalhava como arqueólogo.



R: Can you think of anyone with a reason to kill Montero?

P: Well, he was a trader...

R: Oh, a traitor? Who did he betray?

P: Betray? Nobody...

R: But you’ve just said...

P: Montero was an honest antiquities dealer, one of the last! Most traders these days are looters and no-good son-of-a-bitches.

R: So Mr. Montero was a TRADER, he TRADED antiquities excavated from South America ruins.

P: Are you really professional police officer?

E agora, o final. Para uma melhor compreenção aqui é interessante assistir ao vídeo, pois o "ruído" da conversa é puramente uma questão de pronúncia agora. 
No caso, as palavras traitor e trader, que são minimal pairs (duas palavras que dependem unicamente de um fonema para se distinguir o significado, como vaca e faca, por exemplo. Ou os pares iminente/eminente, comprimento/cumprimento, suar/soar, cujos significados são tão distintos que uma confusão entre eles compromete a compreensão de uma sentença) acabam sendo confundidas e fazendo com que Rigsby perca um pouco a paciência e o profº Papadakis duvide da capacidade de Rigsby como policial.
A tradução para o português da palavra traitor é traidor, mas trader seria vendedor ou negociante/mercador, o que, portanto, não as torna um minimal pair. Com as palavras traidor e mercador não teria como haver confusão com um erro de pronúncia. Pensando em uma tradução para esta parte (mantendo a ideia de que eles estão com um problema para se entender), Papadakis poderia dizer que Montero era um traficante, sendo que sua intenção seria dizer comerciante, mas ele confunde a utilização real da palavra. Traficar é vender, mas nós apenas utilizamos essa palavra para designar algum comércio ilícito, o que não é o caso... aparentemente (assitam The Mentalist e descubram ;D). Porém, com esta solução, o “ruído” não seria mais uma questão de pronúncia, mas sim de semântica. Outra possibilidade seria tentar encontrar um par de palavras em português semelhantes na pronúncia (como os minimal pairs que citei acima), mesmo que seu significado acabasse sendo diferente do original, desde que tivessem em português um sentido distinto o suficiente para causar confusão. Sinceramente, não consigo pensar em um agora. Vou ficar com o meu "traficante".


Agradeço a todos que chegaram até o fim! Espero que este post não tenha ficado muito chato e feito alguém dormir sobre o teclado (ou ter vontade de jogar o computador na parede - não faça isso!). Para mim foi divertido analisar (um pouco) essa cena. Vou pensar sobre o que mais posso escrever... quem sabe uma tradução minha da próxima vez =D
OK, vou parar de escrever agora e ir estudar minha pronúncia de minimal pairs!





Quimeras e outras criaturas...

Olá, caros visitantes! Sejam da Terra Média, de Nárnia, Cáprica ou mesmo da Terra, bem-vindos!

A ideia inicial para este blog foi do meu amigo Sander, e ele, junto com mais duas amigas, Lívia e Fernanda, ajudaram na minha decisão para o nome. Durante meus quatro anos no curso de Tradução, uma das coisas que mais ouvi (além de que precisávamos ter "network") é que a tradução é um processo quimérico: uma quimera, além de ser uma criatura mitológica com partes de vários animais, também significa (ou talvez eu devesse falar, por isso mesmo significa), de acordo com o dicionário online Houaiss, "2. combinação heterogênea ou incongruente de elementos diversos; 3. produto da imaginação, sem possibilidade de realizar-se; absurdo, fantasia, utopia". Quanto à Torre de Babel, todos sabem, mesmo que vagamente, a história da "confusão das línguas", não é? 
De modo geral, sim, vou falar de tradução, interpretação e coisas afins. Tentarei incluir trechos de livros que traduzi (não profissionalmente) em postagens futuras.

Vamos lá, então!